lute, não ame
- Stuart

- 14 de jan. de 2023
- 4 min de leitura
Talvez seja uma decisão muito abrupta, mas enquanto ela se senta no boteco mixuruca do lado da sua casa, pensando em quanto dinheiro tem em conta para gastar com cerveja, ela pensa que é o melhor a se fazer atualmente. Na situação em que está, não há como piorar. O buraco já foi cavado e ela está apreciando a vista do fundo do poço. Sem metáforas.
A conta mostra um total de 45 reais, o que resulta na decisão de que algumas cervejas, sem número especificado, são possíveis. Ao levantar a mão, como se estivesse em um restaurante chique, ela segue pensando em sua decisão. Ela gosta de sentir que tem poder em mãos. Assim, mesmo derrotada, ela pode fingir que tem chance de se reerguer, tipo uma fênix ou algo do tipo.
A cerveja está gelada e isso a acalma. O sofá estava ainda aberto hoje de manhã. A escova de dente ainda no seu lugarzinho no banheiro. O pão de centeio meio aberto na mesa e o café quente na cafeteira ligada (um desperdício de dinheiro). Bilhetes são tão cafonas, mas lá estava. Algo sobre descobertas, algo sobre amor, algo sobre liberdade. Bobagens, merdas de pseudoescritor com um ego acima da média hominídea, o que é algo a se orgulhar mesmo. Ridículo se importar tanto, pensa, já que agora, ao sabor do álcool, sente que nunca tinham sido uma boa dupla. Nem eram tanto as diferenças, pois sendo homem e mulher eram extremos opostos desde o princípio. Eram mais as implicâncias pequenas e as preguiças constantes. Eram mais as frases pré-prontas de cartazes motivacionais em horas inapropriadas. Eram mais os momentos de silêncio após um Eu te amo sussurrado antes de ir embora. Acúmulos de coisas coisas e coisas que ela resolveu ignorar, pois é isso que se faz em um relacionamento caso queira que dê certo. Abdique um pouco do seu bom senso e dê metade do seu espaço ao outro, assim tudo pode funcionar. Pode, como possível, não como certo. O que vale como aviso por apostar em amor ao invés de na mega-sena. Poderia estar milionária nas Maldivas nesse ponto, mas não, está aqui, sentada tomando uma cerveja no bar barato em que o barulho estridente de vozes é confortável e as pessoas não parecem se importar com roupas decentes ou com a cara apresentável. Perfeito para a situação dela, que parece entender que é necessário atitudes.
Digita o número, já tão conhecido, e vai direto para a caixa-postal. Sente que não poderia ser mais próximo a um filme ruim da sessão da tarde quanto isso, caixa-postal e tudo. Mas não desiste, pois o plano se definiu no momento em que leu a primeira palavra do bilhete. Liga para outro número, também familiar, e a pessoa do outro lado da linha atende no terceiro toque. "Querida, que bom que ligou, estou com saudades". Ela engole mais meio copo, pensando que talvez seja difícil estando tão próxima, mas agora já fodeu tudo. E nem foi ela a culpada. "Dona Ana, não posso demorar muito na ligação, só queria dizer que o Guilherme foi embora hoje de manhã, dizendo que vai se descobrir em algum lugar e eu gostaria de saber com que dinheiro ele vai fazer isso e se tem como a senhora me ajudar". A pausa do outro lado da linha é um pouco longo, tensa, mas ela não perde a coragem. A Dona Ana é uma mulher inteligente, consciente de que o filho é um idiota, aproveitador, e que se finge de escritor apaixonado entendendor de teoria musical. "Provavelmente com o meu dinheiro, querida, então já imagino como posso ajudar". A ligação dura mais alguns minutos, enquanto a Dona Ana pede ajuda no cancelamento de contas e desassocia-se completamente de Guilherme, que mais estorvo era do que filho.
Sente-se aliviada, agora, depois dessa decisão. Agora ainda resta uma coisa a mais a fazer. Digita outro número, que pensou, em um lampejo, depois de ler o bilhete do bichinho. Sim, com certeza ele havia reservado um espaço naquele camping, que eles tinham ido um ano atrás, porque apesar de ele achar que é brilhante e original, nada faz de novo que outros milhões de homens em seus quase 30 anos não estejam também fazendo. O camping confirma com ela, pois pensa que estão indo juntos, pois o imbecil alugou no nome dela. Como é que se envolveu com alguém tão burro, ela não consegue realmente conceber, mas agora se livrou. Oficialmente. O cancelamento é fácil de fazer e ela avisa que, se não estiverem falando diretamente com ela, para não aceitarem reservas em seu nome. Tudo correu bem.
Espera, porque sabe que a ligação vai vir. Entende que era isso que pretendida, ao se alocar ali, com álcool e talvez um maço de cigarros à disposição. Perto do apartamento, caso haja uma emergência. Mas tudo está bem, as trancas estão mudadas e ela avisou a síndica sobre a tag do portão. Foi desativada ainda hoje e será trocada amanhã. Satisfação, é isso que a inunda. Ninguém deveria pensar que ela é estúpida. Ou fraca. Ou que ela não merece pelo menos um pé na bunda decente, com alguns pratos quebrados. Términos foram feitos para fechar ciclos, não para deixar vários ciclos abertos. Não funciona para a sua aura.
O telefone começa a tocar e o nome Guilherme brilha na tela. Ela não atende, é claro. Ao invés disso, pede mais uma cerveja e decide dar uma chance ao cigarro. Já é adulta, pode se render aos vícios uma ou outra vez. O telefone toca de novo enquanto enche o copo e traga a fumaça do seu cigarro. Ela sorri, feliz. Isso sim é um fechamento da porra do círculo, Guilherme, aprende alguma coisa nessa tua vida. O toque para, mas as mensagens se acumulam. Implorativas, certamente, e acusatórias, com certeza, com ofensas ridículas e comentários infelizes sobre ser uma vadia vingativa. Ri sozinha, meio doida, meio embriagada. Sim, ela é uma vadia vingativa, mas ele é um idiota pobre.




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