uma carta a mim mesma
- Stuart

- 27 de fev. de 2023
- 3 min de leitura
Querida Kimberly,
estou escrevendo para você do presente, que tecnicamente será qualquer coisa entre passado remoto e passado recente para você. O que é uma loucura, porque enquanto eu escrevo essas palavras, as minhas ideias deixam de estar no momento e viram algum tipo de registro histórico. Nada do que fizemos, se escrito, deixará de existir. Falei sobre isso com os meus estudantes, fofos, sobre a importância de escrever. É claro que a minha intenção é introduzir neles um desejo de registrar tudo e de expressar suas emoções, mas também acredito que a escrita foi a grande invenção do ser humano e isso é incrível. Poder transcrever as vozes da minha cabeça em algum outro lugar, acessível ao mundo, parece ao mesmo tempo excitante e apavorante, e eu adoro essa sensação.
Então, aqui estou eu, em um exercício de escrita, falando com eu mesma, uma interlocutora já antiga, a qual me escuta e retruca ao mesmo tempo. Percebo que, caso você não faça mais isso daqui um tempo, essas palavras parecerão loucura. Acredito que você saiba bem, sendo eu, que somos inseridas nas esferas das pessoas malucas e que, até onde eu estou vivendo, conseguimos administrar, mais bem menos mal, diariamente.
O dia de hoje foi uma consagração de rotina. Primeira segunda-feira letiva, vendo a carinha de um monte de crianças que eu já amo tanto. Eu sei que muitos educadores acreditam que o amar os estudantes atrapalha, em certo nível, o ensino. Já eu sei, devido a diversos estudos neurológicos, que o ensino com afeto serve de alguma coisa. E andei repetindo para mim mesma que desde que meus estudantes estejam se sentindo felizes (ou ao menos se divertindo momentaneamente), eu estou bem com meu trabalho. Talvez seja maldade querer que eles se interessem completamente pela Língua Portuguesa quando eu me lembro bem que ser estudante de Língua Portuguesa, na época da escola, nunca foi minha praia. Você bem sabe, sendo eu, que escrever e ler sempre foi nossa vibe, porém as regras gramaticais... uau, é uma surpresa para mim que, agora, eu saiba tanto sobre minha língua quanto eu jamais soube. E espero que você, aí no momento futuro, só esteja crescendo.
Fora essa rotina, que está voltando para mim, eu tenho pensado muito. Sobre sentimentos e sobre descobertas e sobre ser. Continuo tentando entrar na minha era mais namastê possível, porque a paz interior é o que vai me deixar mais leve, diante de tantas coisas. A vida, de maneira generalizada, é um milagre foda, ao mesmo tempo que às vezes eu fico muito confusa sobre qual o sentido da minha vida, dentre tantas outras que parecem valer mais. Só que eu sei - e espero que você aí saiba também - que nenhum valor pode ser inferido a uma vida. Vida é vida, e as questões existenciais que já passaram pela cabeça de todos, em algum momento, servem para conferir uma presença. Eu, Kimberly, existo e consigo pensar sobre a minha própria existência aqui, nesse momento, nesse espaço, nessa realidade.
Espero que você esteja bem, vivendo, cada dia mais próxima de uma ideia de paz. E lembre-se, escrever é sempre uma alternativa melhor do que qualquer outra. Talvez seja muito difícil conversar com outras pessoas e talvez seja muito difícil ser alguém externalizador, mas a escrita é sempre um lugar de conforto. E, por mais que tenhamos que nos livrar dos confortos às vezes, espero que você - que sou eu - saiba que a escrita é o caminho mais tranquilizador.
Com amor sempre, sempre, sempre, mesmo quando é muito difícil amar alguém, quiçá eu mesma,
Kimberly.




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