Leitura de mulher
- Stuart

- 6 de abr. de 2019
- 4 min de leitura

Eu li, no mês que passou, Jane Eyre, da Charlotte Bronte. Esse livro foi uma leitura obrigatória de uma cadeira da faculdade de Letras, mas foi uma releitura para mim e uma releitura ótima pois foi no idioma original. Entre muitos comentários que eu poderia tecer sobre a obra, gostaria de tecer um comentário sobre a posição de um dos meus colegas de aula em frente a essa (magnífica) obra.
Charlotte foi uma das primeiras autoras a se destacar perante a sociedade majoritariamente masculina de escritores e ela não apenas tomou a atitude de ser uma mulher que escreve, como também escreveu um livro com uma personagem subversiva para sua época (e, honestamente, subversiva até hoje né). Enquanto eu lia textos de crítica sobre a autora, parei para pensar o quanto a gente olha por cima de toda a atitude e coragem que ela teve que ter para ser uma escritora, ao contrário de qualquer homem da época (ou, convenhamos, de qualquer época) jamais teve que ter.
Por esse motivo, quando meu colega se manifestou sobre a obra dizendo, e eu cito: "(...) é uma leitura de mulher", eu fiquei um pouco confusa e surpresa. Pois é, queridos e queridas, ainda existe gente com essa divisão na cabeça entre "coisa de menino e de menina". Mas, vamos tentar identificar de onde esse meu colega parte, para se manifestar sobre o livro da Bronte. Primeiro, é um livro escrito por uma mulher. Segundo, é um livro com uma narradora e personagem principal mulher. Terceiro, é um livro sobre a vida dessa mulher. Então, se formos pensar sobre quem criou o livro e sobre quem é o livro, talvez realmente seja um livro de mulher, não é? Só que isso me leva a pensar sobre todas as muitas leituras que eu fiz para a faculdade - até o semestre presente - que não eram de mulher. Teve semestres, nas cadeiras de Literatura Brasileira, que eu não chegava a ler uma única autora mulher. Só homens. Autores homens com personagens homens e, quando não eram personagens homens, eram mulheres adoradas por homens - belas, gentis e nada subversivas. Portanto, de acordo com meu colega, eu poderia me sentir bem desconfortável durante os últimos 6 semestres (3 anos) lendo homens, não é? Leitura de homem, eu diria, e me recusaria a ler tantos livros porque não fala comigo (e, às vezes, realmente não fala comigo porque no fim das contas eu não sou homem). Ok, se eu me recusar a ler homens, eu fico sem a maior parte da literatura brasileira e mundial, ou pelo menos, a parte canônica e consagrada, né? Não que não tenhamos muitas mulheres ao longo de todos esses anos que escreveram e publicaram seus livros - apenas não foram lidas, porque mulheres não liam e os homens não iam ler "livro de mulher", não é? Concordo com meu colega, agora eu decidi que quero um curso apenas para mulheres, onde vamos ler apenas mulheres escrevendo sobre mulheres e vamos nos sentir todas representadas e felizes, não vamos? E deixamos os homens com seus autores consagrados e suas leituras de "macho", porque não me diz respeito nada disso.
Percebam que falo com uma dose gigantesca de ironia porque ainda não me desceu na garganta que meu colega, com sua masculinidade um tanto fragilizada, não poderia ler sobre uma mulher desbravando o seu "mundinho" indo ser professora em uma casa de família no século XIX. Não, coitado dele, como é que ele pode se identificar com uma mulher assim? Mas, vejamos, como é que eu, em pleno século XXI, posso me identificar com uma personagem do século XIX? Eu digo para vocês, eu não sou a personagem e a realidade inglesa dela não traz nenhuma relação com a minha realidade brasileira. O detalhe é que eu consigo tirar muito proveito em ver uma autora que saiu da curva, publicou um livro, falou sobre independência feminina, sofreu grande repressão e foi chamada de "puta" por ter escrito tantas barbaridades. Eu consigo ver o quão enriquecedor é termos a oportunidade de lermos um trabalho aclamado pelo mundo já fazem dois séculos, e que fez uma revolução na sociedade burguesa e quieta do século XIX. Eu consigo ver tantas coisas maravilhosas que Charlotte e, honestamente, Jane fizeram por todos nós - mulheres e, vamos incluí-los também, homens -, por isso acredito que meu colega poderia fazer um esforcinho para sair da zona de conforto dele.
Já tive que engolir por muito tempo literatura masculina. Já tive que ler e, não vou mentir, amei ler muitos autores homens do Brasil e de outras partes do mundo. Eu só quero ter o gostinho do que é ler mulheres também, de tempos em tempos. Prometo ao meu colega que não vou exigir que nosso currículo seja de 90% de mulheres, como é agora de homens. Prometo. Não sou tão malvada assim.
Apenas espero que consigamos ver que Jane, rebelando-se com uma vida recatada, indo buscar aventuras, mudando-se de lugar em lugar até achar o que ela tanto ansiava, não se contentando com menos do que o fantástico, nos sirva de ensinamento. Não precisamos nos contentar com pouco e é por esse motivo que não vou me contentar com a literatura masculina apenas. Quero ler Charlotte e falar sobre a mulher fantástica que ela foi e como ela deixou o irmão dela no chinela (risos).
Leiam mulheres mesmo que vocês não sejam mulheres, isso não vai deixar vocês menos homens ou provocar uma combustão cerebral (juro).





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